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Foto do escritorIury D'avila

Análise Retrô: O Auto da Compadecida (2000)


Teatro e cinema são artes que andam lado a lado e em vários aspectos se completam. E assim como obras literárias, é bem comum vermos histórias escritas para o teatro ganharem uma adaptação no cinema. Aqui no nosso Brasil esse tipo de conversão é bem comum, resultando em filmes que se tornam bem populares entre o grande o público. E por isso hoje nós viemos para fazer uma das análises mais especiais do Sessão Cinema, hoje nós viemos para falar de uma das obras mais amadas e reverenciadas do Brasil em sua versão cinematográfica. Com isso em mente jovens, se preparem que hoje é dia do Auto da Compadecida.


Bom galera, antes de mais nada eu preciso sem duvida ambientar vocês e falar um pouco de onde veio essa obra, e de onde foi a origem desse trabalho incrível. O Auto da compadecida é uma peça teatral escrita pela lenda Pernambucana (e entre vários títulos), o dramaturgo Ariano Suassuna em 1955. Essa peça ganhou sua primeira versão  teatral em 1956 quando foi apresentada em Recife, e em 1967 a peça voltou aos teatros, só que dessa vez em São Paulo. A apresentação que começou ganhar o mundo ficou tão popular que obviamente tivemos adaptações para as telonas em 1969, 1987 e a mais famosa que foi a de 2000 acompanhado o sucesso da minissérie televisiva com o mesmo elenco que foi produzida em 1999.


O enredo basicamente nos apresenta João Grilo e Chicó, dois pobres homens que vivem suas vidas pacatas com sofrimento da pobreza em suas terras paraibanas. Com a malandragem de João Grilo, os dois conseguem arrumar um emprego na padaria de seu Eurico, mas a partir desse evento vão surgir muitos conflitos naquele interior, e só com as mentiras de Chicó e a esperteza de João Grilo eles vão tentar se safar de todo e qualquer desafio que encontrarem pela frente.


Pois é jovens, o Auto da Compadecida é um filme bem caseiro, mas que é justamente graças a isso que a gente consegue sentir a simplicidade necessária do trabalho. Essa é uma produção nacional que não precisa convencer com beleza visual, já que esse visual simples e raiz remetendo aos anos 30 era o alvo do filme. Além disso, quase todos os outros aspectos do longa são trabalhados de maneira genial, sempre mirando nessa formula caseira que o filme necessita.


Quem dirigiu esse trabalho foi um cara relativamente novo no cinema naquela época que era chamado de Guel Arraes. Esse cara fez um trabalho tão lindo pegando a essência dos personagens, retratando com uma visão tão natural esse projeto e fazendo um trabalho tão bem redondinho e bem feito, que basicamente após esse filme ele ganhou um certo valor maior. A direção do Arraes é muito importante, pois mesmo você tendo um conteúdo base, a linguagem de como ele vai entregar o trabalho é interessante. E o diretor conseguiu andar por uma linha de humor matuta que é totalmente cativante. Além disso, a história original tem certos momentos pesados que precisariam de cautela ao serem adaptados... E as escolhas dessas situações foram a chave que também seguraram o filme no mesmo tom o tempo inteiro.


Ainda falando do tom do filme, a história anda por um lado cômico bem particular o tempo inteiro. Como eu disse, existe momentos que poderiam ficar pesados em uma certa adaptação, mas a inteligencia de como pegar esse público mais sensível foi bem sacada graças a essa sequencia humorística que fica ativa o tempo inteiro. Acho que de certa maneira o Auto da Compadecida driblou muitos problemas que poderiam aparecer no processo de adaptação com um humor bem posicionado.


Dentre tudo que a gente pode ver no filme, acho que um dos pesos que transforma essa obra em uma especie de lenda (pelo menos nordestina) são os personagens. Essa galera totalmente caricata que monta a história, consegue passar tão bem suas fortes características para o público, que a gente acaba misturando o real do fictício mais do que deveria. O que eu quero dizer é que naturalmente essa história tem um certo padrão sobrenatural, e junto com a forte personalidade dos personagens, as vezes isso extrapola e a gente sai de um filme pacato para algo mais surreal. Além disso, esses personagens são tão fortes e caricatos que mesmo a interpretação dos atores sendo importantes, naturalmente, só lendo o roteiro original você consegue perceber a ousadia de cada um.


Uma coisa fundamental para a grandeza do Auto da Compadecida é com certeza sua trilha sonora. A maioria das canções que contam com instrumentos tradicionais do sertão e do interior, sempre encaixam bem diante dos grande problemas que vão aparecendo na trama. Além disso a trilha é totalmente versátil, indo de canções abertamente alegres ate sons densos que podem ate arrepiar. O fato é que musicalmente falando temos um ótimo trabalho, com uma trilha que é reconhecida ate hoje.


Acho que agora chegamos na parte central da análise, não é? Isso mesmo jovens, hora de falar do roteiro. Bom clã, por ser uma obra adaptada, a história já tinha um caminho pelo qual rumar. Porém... Muitas vezes os roteiristas podem ter uma liberdade artística de improvisar, que as vezes dá certo... Ou não. No caso de O Auto da Compadecida não houve esse tipo de improvisação e a trama seguiu naturalmente como é a original. Pelo texto base ter sido escrito já em formato de roteiro, bastou apenas adapta-lo em pequenas coisas para o cinema, e já estava lá tudo prontinho. A genialidade do Suassuna foi mantida em sua origem com três atos que andam no mesmo ritmo, no mesmo tom e sempre segurando o público com um texto muito divertido. A trama é bem redonda, a história é bem divertida, bem interessante e além disso entrega tudo com uma perfeição sem precisar enrolar nem enfeitar muito o filme.


Os diálogos são o coração do roteiro e também do filme. Naturalmente a dinâmica de João Grilo e Chicó funciona muito bem... E por conta da versão atuada tudo ficou mais gostoso de ver. Na verdade não só os protagonistas ganharam uma versão incrível para o cinema, praticamente todo o elenco é rico de qualidade com atores bem populares no Brasil ate hoje. Os diálogos seguiram a linha padrão do roteiro original, e na versão adaptada ganharam uma qualidade narrativa tão boa, que muitos diálogos acabaram se eternizando no boca a boca e ate hoje são frases comentadas com frequência pelo grande público.


O elenco desse longa traz uma galera bem especial. O Selton Mello (O mecanismo) é o Chicó, o Matheus Nachtergaele (Cidade de Deus) é o João Grilo, o Diogo Vilela (D.P.A 2) é o Eurico, a Denise Fraga (De onde eu te vejo) é a Dorinha, o Rogério Cardoso (A grande familia) é o Padre João, o Marco Nanini (A grande família) é o Severino, a Virgínia Cavendish (Lisbela e o Prisioneiro) é a Rosinha, o Maurício Gonçalves (Cidade dos homens) faz o Emanuel (Jesus), a Fernanda Montenegro (Central do Brasil) é Nossa senhora da Compadecida, o Lima Duarte (Eu, tu, eles) é o Bispo, o Paulo Goulart (A cobra está fumando) é o Major e o Luís Melo (Caramuru) é o Diabo.


Bom jovens, acho que no resumo final chegamos em um consenso de que a versão cinematográfica mais famosa dessa obra coletou muito da originalidade do talento do Ariano Suassuna e deixou a essência dele comandar esse trabalho de forma tão incrível. Eu acho que a naturalidade, o respeito e coração dos envolvidos no projeto foi o que amarrou tudo bonitinho, mais do que qualquer conceito técnico ou artístico. Por isso se você nunca viu, vá assistir esse longa, pois vale muito a pena desfrutar de O Auto da Compadecida.

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